Análise exclusiva da InfoAmazonia põe luz às pequenas comunidades ‘invisíveis’ afetadas pelas queimadas de 1º de julho a 31 de dezembro de 2024, temporada de fogo na Amazônia Legal.
A temporada de fogo de 2024 na Amazônia foi a mais intensa dos últimos dez anos. As queimadas geraram uma fumaça capaz de percorrer quilômetros, contendo material particulado fino (PM2.5), um conjunto de poluentes atmosféricos com menos de 2,5 micrômetros de diâmetro. Essas substâncias tóxicas, quando inaladas, podem atingir a corrente sanguínea e causar doenças.
Na série especial de reportagens “Invisíveis da Fumaça”, a InfoAmazonia investigou onde o material particulado fino esteve concentrado na Amazônia Legal e quais populações foram mais atingidas. A hipótese inicial era de que pequenas comunidades, frequentemente fora da cobertura jornalística e com menos atenção dos poderes públicos e da sociedade civil, foram as mais impactadas.
Essa hipótese se confirmou. Os distritos localizados na fronteira entre Amazonas, Rondônia e Mato Grosso, nas zonas rurais dos municípios, absorveram um material particulado acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que limita a 15 µg/m³ a média diária considerada segura à saúde.
O distrito de Demarcação, com 843 habitantes, em Porto Velho e a 100 km do espaço urbano da capital, em Rondônia, foi o mais impactado, atingindo a média de 55,4 µg/m³, entre julho e dezembro de 2024.
A comunidade indígena que mais sofreu foi a aldeia Buriti, localizada na Terra Indígena Kaxarari, na divisa entre o sul do Amazonas e o oeste de Rondônia. Os moradores aram 96 dias respirando ar tóxico. A substância chegou a registrar média diária de 264 µg/m³.
Metodologia
Para essa análise, utilizamos diferentes bases de dados no período de 1º de julho a 31 de dezembro de 2024 em toda a Amazônia Legal. Essa época coincide com a temporada de queimadas na região.
Os dados de PM2.5 foram obtidos do Copernicus Atmosphere Monitoring Service (CAMS), do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas (ECMWF). Foi utilizado o conjunto global de dados Atmospheric Composition Forecasts e baixada a variável “Particulate matter d < 2.5 µm (PM2.5)”, usando o script “01_ing_pm2p5_data.py”, na biblioteca Python cdsapi (>=0.7.2).
Foi feita a organização e a padronização de acordo com o horário de Brasília, pois na Amazônia há mais de uma zona horária, e essa referência garante uniformidade nacional.
Depois, os dados foram cruzados com os territórios da Amazônia. Como o objetivo era mapear localidades pequenas, a equipe optou por usar a base de setores censitários, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essas áreas, delimitadas para a realização do Censo Demográfico, representam a menor divisão territorial disponível no país, podendo ser menores que os bairros. Também foram usadas as bases de localidades Indígenas, Quilombolas e de Favelas e Comunidades Urbanas, também disponibilizadas pelo IBGE.
Foram calculados os valores médios de PM2.5 de todo o período em estudo (julho a dezembro de 2024), assim como a média de PM2.5 a cada mês, em cada setor censitário, localidade indígena, localidade quilombola e favela e comunidade urbana. Dessa forma, foi possível saber quais regiões respiravam mais a fumaça.
Além disso, a equipe também analisou dados de focos de calor, baixados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), do Programa Queimadas, a partir do satélite NPP-375. Este satélite foi escolhido por ter pixels mais próximos, com a distância de 30 metros um para o outro, obtendo a melhor resolução.
Todas as bases usadas e processadas podem ser encontradas neste repositório, feito para este especial, com mais detalhes sobre a metodologia.
Processamento dos dados
Os dados foram processados usando Python e todos os scripts usados foram organizados e disponibilizados.
Para cada fase de processamento dos dados, foi criado um script Python. A seguir, o link e descrição de cada um deles:
- 01_ing_pm2p5_data.py: script usado para automatizar a requisição e o baixamos dos dados de PM2.5 do CAMS.
- 02_unzip_pm2p5_data.py: script criado para automatizar a organização dos dados de PM2.5 baixados do CAMS. Ele descompacta os arquivos baixados.
- 03_combine_pm2p5_data.py: Script que combina, organiza e padroniza os dados de PM2.5 descompactados. Como resultado teremos um único arquivo NetCDF com todos os dados, outros dois netCDFs com a média de PM2.5 para a temporada e a média mensal.
- 04_extract_pm2p5_data.py extrai os dados de PM2.5 mensais e de toda a temporada para cada teritório a ser considerado: município, setor censitário e terras indígenas, localidades indígenas, localidades quilombolas e favelas e comunidades urbanas, da Amazônia Legal.
- 05_finding_communities Identifica, dos territórios analisados, 10% mais afetados.
- 06_export_excel Exporta a tabela de atributo dos resultados a excel.
- 07_create_images Cria e salva imagens com resultados gerais na pasta figs.
Parcerias e consultas
Depois da análise dos dados, a InfoAmazonia separou informações relevantes sobre cada recorte territorial e convidou veículos locais, com experiência na cobertura ambiental, para compor o especial. Foram convidados O Vocativo (AM), Tapajós de Fato (PA), Voz da Terra (RO) e a Agência Carta Amazônia (PA). Cada um ficou responsável por investigar histórias com base nos resultados.
Além disso, a série especial contou com a consultoria e o acompanhamento científico da professora Sonaira Souza da Silva. Ela é doutora em Ciências de Florestas Tropicais pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), professora da Universidade Federal do Acre (UFAC) e integra a Academia Brasileira de Ciências.
Ela foi a cientista que trouxe a hipótese apresentada e acompanhou toda a análise de dados e as conclusões obtidas. Participou de reuniões, encaminhamentos e deu sugestões de como abordar a temática.
Fontes da primeira reportagem
Dez entrevistas entraram na primeira reportagem, a que apresenta a série especial. Seis foram feitas com mulheres e quatro feitas com homens. Todas as pessoas entrevistadas são de territórios amazônicos.
Nome | Representação | Lattes | Redes sociais |
Francisco Urielson Lacerda | Chefe do distrito de Demarcação | – | – |
José de Souza | Agricultor e morador de Demarcação | – | – |
Maria Nilza | Aposentada, moradora de Demarcação | – | – |
Sonaira Silva | Professora da Universidade Federal do Acre (UFAC) | http://lattes.cnpq.br/7877159779121386 | – |
Ane Alencar | Pesquisadora no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) | http://lattes.cnpq.br/2968883415297390 | – |
Manoel Kaxarari | Cacique da Aldeia Buriti, da Terra Indígena Kaxarari | – | – |
Raimunda Kaxarari | Vice-cacica da Aldeia Buriti, da Terra Indígena Kaxarari | – | – |
Maiza Soares | Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vida e Culturas Amazônicas (GEP Cultura), da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) | https://www.escavador.com/sobre/840637104/maiza-soares-da-silva | – |
Felismina Coutinho | Aposentada, moradora de Santarém | – | – |
Ninawa Huni Kui | Coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Rio Purus | – | – |