Em julho de 2024, a alta nos registros da doença na Região Metropolitana de Manaus chegou a 23%.

Os atendimentos por Síndrome Gripal (SG) nos 13 municípios da região Metropolitana de Manaus (RMM) tiveram alta de 23,4% durante julho de 2024, comparado ao mês anterior, revela análise da InfoAmazonia. A alta coincide com o fim do inverno amazônico em junho, e início da temporada mais seca e das queimadas na Amazônia, que tradicionalmente se intensificam a partir de julho.

A análise, feita com base em dados do Ministério da Saúde, revelam que as notificações aumentaram de 3.971 para 4.900 registros, o que também evidencia o padrão sazonal que persiste na região. 

Especialistas concordam que o crescimento nos atendimentos de Síndrome Gripal têm relação com a temporada das queimadas na Amazônia. A doutora em Pneumologia e docente da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Maria do Socorro de Lucena Cardoso explica que a inalação das partículas presentes na fumaça pode desencadear inflamações nas vias aéreas, tornando os pulmões mais vulneráveis a infecções.

“Durante a inspiração, essas partículas atingem as vias respiratórias, causando irritação e inflamação, o que pode levar ao desenvolvimento de doenças respiratórias”, alerta a especialista.

‘Sufocado dentro de casa’ 

O município de Itapiranga, localizado na região metropolitana, foi um dos atingidos pela fumaça das queimadas no ano ado. Morador da região há mais de oito anos, Bismarck Monteiro, de 34 anos, relata que a fumaça tem se tornado cada vez mais intensa, especialmente entre julho e outubro, período de estiagem. Em 2023, ele e sua família sentiram os efeitos diretos da poluição no ar. 

“Tivemos falta de ar, tosse e chiado no peito, e isso nos levou a procurar atendimento médico”, lembra.

Os sintomas relatados por Bismarck são os mesmos citados por especialistas como consequência da exposição à fumaça: irritação nos olhos, garganta seca e dificuldade para respirar. Para amenizar os impactos, ele adotou algumas medidas, como o uso de umidificador, maior ingestão de água e a restrição de saídas nos horários de maior concentração de poluentes. “Mesmo assim, a sensação é de estar sendo sufocado dentro de casa”, descreve.

Fumaça encobre orla de Itacoatiara em 17 de novembro de 2023 (Foto: Liam Cavalcante)

O sistema de saúde do município também sente os impactos do aumento das queimadas. Segundo Bismarck, as unidades de atendimento enfrentam sobrecarga durante os períodos de pior qualidade do ar. “Há postos de saúde próximos, mas, nesses períodos, a demanda cresce e, em algumas ocasiões, faltam médicos”, conta. Ele compara a situação à vivida durante a pandemia de Covid-19, quando os atendimentos respiratórios lotavam os serviços de saúde.

Para ele, o problema exige uma resposta mais efetiva do poder público. “As ações são pontuais e não resolvem a questão a longo prazo. É preciso um maior controle das queimadas, investimento em reflorestamento e incentivo a práticas agrícolas mais sustentáveis para reduzir os impactos ambientais e na saúde da população”, afirma.

Décadas de fogo

Historicamente os registros da doença disparam em janeiro, período do inverno amazônico. Após essa temporada, os casos baixam e só voltam a subir em julho , época de queimadas. 

Dados do Programa de Queimadas, do Instituto  Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicam que, entre 2022 e 2024, o Amazonas registrou 66.317 focos de queimadas. Esse número reflete não apenas a complexidade dos fatores ambientais, mas também uma concentração significativa de queimadas ilegais na região. 

Em julho de 2024, o governo do Amazonas decretou situação de emergência ambiental, proibindo qualquer prática que envolvesse o uso de fogo, inclusive técnicas de queima controlada, na região metropolitana e sul do estado. Essas medidas buscavam mitigar os impactos das queimadas ilegais, que afetam diretamente a qualidade do ar e a saúde da população local.

Grande parte da fumaça que encobriu a região metropolitana teve origem nas queimadas em municípios do sul e noroeste do Amazonas, como Apuí e Lábrea, áreas marcadas pela presença de fazendas de gado. A queima da vegetação nessas localidades tem contribuído significativamente para a deterioração da qualidade do ar na capital Manaus e em municípios vizinhos.

Queimadas na Região Metropolitana de Manaus no dia 29 de setembro de 2023. (Foto: Alex Pazuello/Secom) Crédito: ALEX PAZUELLO

Setembro foi o mês com maior número de queimadas nos 13 municípios da região metropolitana, nos últimos três anos. O fenômeno está diretamente ligado ao período de estiagem, que atinge seu pico entre agosto e setembro.

“Nos últimos 30 anos, esses dois meses registram o auge da estação seca, o que explica a maior incidência de queimadas”, explica Paulo Artaxo, doutor em Física Atmosférica e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).

O aumento dos incêndios florestais ao longo dos anos indica que os efeitos das queimadas já não se concentram apenas na estação seca. O fogo e a fumaça, antes s a alguns meses, agora impactam o estado por um período mais prolongado, estendendo-se por mais da metade do ano.

Queimadas em alta e o desafio da subnotificação de doenças respiratórias

Em análise dos meses de julho, dos últimos três anos, observa-se que, enquanto os registros de queimadas têm aumentado, período crítico para problemas respiratórios os casos notificados de síndrome gripal apresentam queda. Em 2022, julho registrou 62.175 casos, número que reduziu para 6.795 em 2023 e 4.900 em 2024.

Esta redução das notificações de SG levanta questionamentos sobre a eficácia do sistema de vigilância em saúde. Especialistas apontam para uma possível deficiência na notificação de casos respiratórios após o período da pandemia, quando os protocolos eram seguidos com maior rigor pelos profissionais de saúde.

A professora da residência em Clínica Médica do Hospital Adriano Jorge em Manaus, Ana Carla Campelo Duarte, reforça a necessidade de aprimorar os mecanismos de notificação e diagnóstico, ressaltando a importância da disponibilidade de testes nos hospitais. 

“É fundamental garantir kits para testagem das viroses mais comuns, como influenza, rinovírus, adenovírus e até o Covid-19. Isso permitiria um monitoramento mais preciso e ágil, facilitando a identificação de surtos e o direcionamento de medidas preventivas”, afirma Duarte. 

Cidade de Itacoatiara também foi encoberta por fumaça em 17 de novembro de 2023 (Foto: Liam Cavalcante)

De acordo com o MS, a Síndrome Gripal caracteriza-se pelo surgimento de sintomas respiratórios leves a moderados, com a presença de febre; tosse ou dor de garganta, podendo ser acompanhado de outros sintomas, como coriza, dor de cabeça, artralgia ou mialgia, mal-estar geral, calafrio e fadiga, entre outros. 

A vigilância de SG é essencial para monitorar e avaliar precocemente as alterações na circulação dos vírus influenza, SARS-CoV-2 e outros vírus respiratórios, bem como estudar a sazonalidade nas diferentes regiões geográficas do país e identificar precocemente surtos relacionados a estes vírus e ainda desencadear uma série de ações relacionadas.

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Esta reportagem foi realizada com o apoio do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), que atua para amplificar ações climáticas locais e busca desempenhar um papel central no debate climático global. A InfoAmazonia faz parte da coalizão “Fortalecimento do ecossistema de dados e inovação cívica na Amazônia Brasileira” com a Associação de Afro Envolvimento Casa Preta, o Coletivo Puraqué, PyLadies Manaus, PyData Manaus e a Open Knowledge Brasil.

Sobre o autor
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Ana Kelly Franco

Jornalista em Manaus (AM), editora, assessora de comunicação e repórter ambiental. Ganhou 1º lugar em Webjornalismo no prêmio de jornalismo ambiental Águas de Manaus (2023) e 3º lugar (2024) . Especialista...

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