Moradores que vivem ao longo da rodovia apoiam projeto na esperança de ter mais o a médicos, enquanto que cientistas ampliam pesquisas que alertam para aumento na disseminação de doenças infecciosas em razão do desmatamento.
Igapó-Açu é uma comunidade no interior do Amazonas onde vivem 75 famílias à beira da rodovia BR-319, uma das regiões com maior biodiversidade na Amazônia. Ali, eles estão a duas horas de carro do médico mais próximo, mas a poucos os da estrada que caso seja asfaltada pode desencadear uma série de doenças infecciosas em razão do desmatamento.
A InfoAmazonia visitou a região em dezembro do ano ado com pesquisadores e profissionais de saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A viagem foi parte de um projeto de longo prazo no qual as duas instituições investigam a presença de doenças infecciosas e também oferecem atendimentos médicos às pessoas que vivem ao longo da BR-319. A rodovia conecta Manaus, capital do Amazonas, a Porto Velho, capital de Rondônia.
O debate de décadas sobre a recuperação e pavimentação da BR-319 se concentra em grande parte nas consequências econômicas e ambientais. No entanto, durante cinco dias em Igapó-Açu, a InfoAmazonia registrou como o conflito entre o desenvolvimento e a preservação também tem impactos na saúde pública da população que margeia a rodovia.
Para as comunidades ao longo da BR-319, onde o saneamento básico é inadequado, o o à água potável é limitado e hospitais são distantes, ter a rodovia pavimentada poderia melhorar o o a serviços de saúde pública. Por outro lado, povos indígenas no entorno dizem que a estrada tem causado desmatamento e poluição perto dos territórios, o que impacta na saúde das comunidades.
A pavimentação da rodovia também pode causar o aumento de doenças infecciosas e até novas pandemias, conforme um alerta divulgado em fevereiro do ano ado em uma pesquisa liderada pelo cientista da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e doutor em biologia, Lucas Ferrante.
A área ao redor da rodovia abriga inúmeros patógenos: Patógenos são microrganismos ou agentes biológicos que causam doenças em organismos vivos. Eles podem ser bactérias, vírus, fungos, protozoários ou parasitas ainda desconhecidos pela ciência. Caso a pavimentação impacte o desmatamento na região, pesquisadores afirmam que os microrganismos podem aumentar sua capacidade de multiplicação entre as espécies, enquanto a população de mosquitos e outros vetores de doenças pode crescer. O desenvolvimento da área também colocaria as pessoas em contato com novas doenças.
“Nossos monitoramentos indicam a presença de patógenos com alta capacidade de transmissão nesta área. A região abriga uma diversidade de vírus, fungos e bactérias ainda desconhecidos, muitos dos quais possuem um elevado potencial infeccioso”, alertou Ferrante, acrescentou que esses indícios sugerem “um aumento na transmissão de patógenos de contato, impulsionado pela maior mobilidade proporcionada pela rodovia”.
Nossos monitoramentos indicam a presença de patógenos com alta capacidade de transmissão nesta área. A região abriga uma diversidade de vírus, fungos e bactérias ainda desconhecidos, muitos dos quais possuem um elevado potencial infeccioso.
Lucas Ferrante, cientista que estuda os impactos da pavimentação da BR-319

Professor de genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que estuda como a ruptura ambiental na Amazônia influencia as doenças infecciosas, Joel Henrique Ellwanger concorda com Ferrante. “As rodovias na Amazônia são sabidamente vetores do desmatamento e perda da biodiversidade”, disse.
Ellwanger destacou que as perdas ambientais são fatores que “contribuem para que novos patógenos atinjam as populações humanas, com risco de surgimento de novas pandemias, levando a perdas econômicas astronômicas e custos em termos de vidas humanas”.
Vários presidentes brasileiros declararam intenção de pavimentar a BR-319. No entanto, até hoje, os trechos asfaltados são os que ficam nas extremidades, perto de Manaus e de Porto Velho. Uma licença prévia para as obras na rodovia chegou a ser emitida em 2022, na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. A medida foi parar na Justiça, chegou a ser cancelada, mas voltou a valer em outubro de 2024 após decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Mas, ainda assim, o destino da rodovia está longe de ser decidido.
Uma comunidade vivendo da estrada
Inaugurada em 1976, a BR-319 foi um componente-chave do plano da ditadura militar para colonizar a Amazônia. Inicialmente, a rodovia foi construída de asfalto, o que estimulou a chegada de pessoas de fora na região. Mas, uma década após a abertura, a estrada caiu em desuso. Quase 40 anos depois, em 2015, voltou a ser usada.

A rodovia tem uma extensão de ao menos 900 km. O trecho mais crítico, conhecido como “trecho do meio”, tem aproximadamente 400 km que, em períodos chuvosos, torna-se quase intransitável.
A vida dos moradores de Igapó-Açu é indissociável do debate sobre a BR-319. Lá, as casas construídas de tábuas de madeira e palafitas ficam todas de frente para a estrada. Algumas funcionam como ponto de apoio para motoristas de caminhões que am pela região com fome e cansados, enquanto a maioria dos empregos são de uma balsa lenta que transporta carros pelo estreito rio que dá nome à comunidade.
Uma das líderes da comunidade, Nilda Castro dos Santos, conhecida como Dona Mocinha, vive em Igapó-Açu desde 1980. Ela conta que no auge da rodovia, a região chegou a ter 100 famílias. Mas, depois que a estrada foi fechada, a família dela foi uma das cinco que permaneceram. “Foi muito sofrido”, disse. “Foram 20 anos de sofrimento.”

João Joventino Cordeiro, que chegou em uma comunidade perto de Igapó-Açu antes mesmo de Dona Mocinha, vivenciou uma desolação semelhante quando a estrada fechou. “aram 30 anos sem ar um carro”, disse ele, acrescentando que chegar a um médico era praticamente impossível: “Só Deus cuidava de nós.”
Depois que a rodovia foi reaberta em 2015, as pessoas voltaram para comunidades como Igapó-Açu. Atualmente a região recebe um fluxo consistente de caminhoneiros, viajantes e grupos de motociclistas aventureiros. A realidade de hoje ainda está muito menos movimentada do que quando tinha asfalto, dizem os moradores.
Nas comunidades ao longo da rodovia há poucos empregos, a atividade econômica é escassa e a maioria dos serviços está a centenas de quilômetros, como a capital Manaus, distante cerca de 270 km. Em Igapó-Açu, o hospital mais próximo fica na cidade de Careiro Castanho, a 150 km de estrada não pavimentada.
Morador da região há quase 50 anos, Antônio do Boto, conhecido como “Seu Botinho”, resume como é a situação na localidade quando alguma pessoa adoece:
“Não tem uma ambulância para levar. Pode perder a vida porque não tem uma condução.”
Não tem uma ambulância para levar. Pode perder a vida porque não tem uma condução.
Antônio do Boto, morador de Igapó-Açu há 50 anos

Ele trabalha com um projeto para restaurar as populações de tartarugas da região. Embora acredite na melhoria para a saúde local, também frisa a preocupação com os impactos ambientais relacionados ao desmatamento caso ocorra as obras de recuperação da rodovia.
“As caças, animais, os pássaros que vivem dentro da floresta começam a se afastar. E você não vê mais um pássaro, você não vê mais um animal mais próximo”, pontuou.
A assistência médica é uma das muitas coisas que as pessoas de Igapó-Açu esperam se torne mais ível caso ocorra a pavimentação da rodovia. Para eles, a obra reduziria o tempo de duração da viagem, enquanto que o aumento da frequência de transportes como ônibus poderia fornecer uma viagem mais confiável até Careiro.
O cientista Lucas Ferrante acredita que uma solução melhor para os problemas de falta de o à saúde dos moradores seria redirecionar os bilhões de reais necessários para a pavimentação da rodovia, investindo, em vez disso, na oferta de cuidados de saúde adequados para quem vive na região.
“Se a gente pegasse os recursos da pavimentação e alocasse para a saúde e educação nos municípios, resolveríamos o problema dos municípios”, pontuou.
Se a gente pegasse os recursos da pavimentação e alocasse para a saúde e educação nos municípios, resolveríamos o problema dos municípios.
Lucas Ferrante, cientista que estuda os impactos da pavimentação da BR-319
Impacto às terras indígenas
O impacto das obras na BR-319 chegar a 68 terras indígenas, conforme um estudo realizado por Ferrante em 2020. Além disso, um levantamento exclusivo da InfoAmazonia revelou que a abertura de ramais ao longo da rodovia atingiria 38 unidades de conservação. Um desses territórios é o do povo Mura, no município Manicoré.
A menos de 40 km da rodovia, o povo indígena tem registrado com mais frequência casos de diarreia e doenças respiratórias, afirma Adamor Leite, uma das lideranças da região.

Leite afirma que os problemas têm sido causados por agricultores e caçadores que entram na região por meio da estrada. Essas pessoas, segundo ele, poluem rios, destroem as fontes de alimentos e remédios, e contribuem para espalhar organismos causadores de doenças.
“Aumentou essa questão da infecção respiratória, da gripe e da virose”, disse Leite, acrescentando que o desmatamento destrói “as plantas medicinais que são usadas em tratamento de algumas doenças”.
O líder indígena também acredita que com a pavimentação da rodovia, o território corre o risco de sofrer invasões com as aberturas de mais ramais, que são estradas abertas a partir de uma via principal — neste caso, a BR-319.
“Se [a estrada] for pavimentada, [o desmatamento] aumenta e isso pode causar um dano pior”, frisou o líder indígena.
Indígenas do povo Juma também relatam preocupação com a presença de pessoas de fora próximo ao território, situação que se agravaria numa eventual reconstrução na BR-319. O território deles fica no município de Lábrea, na região do rio Açuã, no sul do Amazonas, próximo à rodovia.
“A gente percebeu que os não-indígenas vêm caçar dentro do nosso território, que era para ter a nossa alimentação”, afirma Kunhave Juma, presidente da Associação do Povo Juma.
Pesquisadores avaliam que o governo federal não tem dinheiro ou estrutura suficiente para fiscalizar efetivamente a área, incluindo os territórios indígenas.
Desmatamento e crise climática
Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais, publicado em 2020, apontou que a pavimentação da BR-319 poderia quadruplicar as taxas de desmatamento e as emissões de carbono no entorno, o que impediria o país de alcançar as metas de redução de emissões de carbono com as quais se comprometeu no Acordo de Paris.
Outro reflexo seria no cenário climático da Amazônia em que as ondas de calor em Manaus tornariam a cidade quase inabitável, conforme estima Lucas Ferrante.
Para se ter ideia do impacto que a pavimentação da rodovia pode causar, até os anúncios governo de fazer obras na rodovia levaram a um aumento no desmatamento. Entre 2020, quando Bolsonaro disse que o asfaltamento seria prioridade, e 2022, o desmatamento no entorno da BR-319 subiu 122%, segundo o Observatório do Clima. A estrada soma 6.500 quilômetros de ramais ilegais no entorno, seis vezes a extensão da rodovia original, segundo pesquisa de Ferrante.
Mas, além do colapso da biodiversidade e do aumento das emissões de carbono, a degradação ambiental histórica da BR-319 poderia ser acelerada pela nova pavimentação e causar impactos transformadores na saúde pública para quem vive na região.
‘O bom e o ruim’
Durante a visita em dezembro a Igapó-Açu, as implicações da pavimentação BR-319 para a saúde pública ficaram ainda mais aparentes.
Entre os moradores atendidos pela equipe da Fiocruz e Unicamp, havia uma jovem mãe foi diagnosticada com níveis preocupantes de glicemia. Na mesma região, um homem perdeu três porcos para a raiva e não conseguiu que alguma equipe de saúde vacinasse sua esposa ou seu filho – um reflexo da falta de saúde pública para quem vive no entorno da BR-319.

Cerca de um ano atrás, Dona Mocinha adoeceu com uma “doença misteriosa”. “Fiquei mais de uma semana de cama com febre, frio, com muita dor no corpo. E não sabia o que fazer”, disse.
Com a visita dos pesquisadores da Fiocruz, Dona Mocinha fez um teste e o diagnóstico foi o de febre Oropouche, doença que tem tem sintomas semelhantes aos da dengue, transmitida principalmente por um mosquito conhecido popularmente como maruim ou meruim.
“Falaram para mim o que eu senti foi de picada de maruim que me deu aquele mal-estar, aquela febre”, relembrou.
Em 2024, pesquisadores da Fiocruz identificaram uma nova cepa da Oropouche que se originou na Amazônia e teve maior incidência da na região da AMACRO: Região de 45 milhões de hectares na divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia, criada a partir de um projeto idealizado para incentivar o agronegócio como modelo de desenvolvimento, conhecida como “fronteira do desmatamento”.
Dona Mocinha, que apoia a pavimentação da rodovia pelos benefícios econômicos que traria à comunidade, expressou preocupação com os impactos negativos da rodovia, seja o aumento da destruição ambiental, crime ou doença.
“Com o desenvolvimento da estrada, vem de tudo. O bom e o ruim”, disse ela, acrescentando: “No meio do bom aparecem as coisas ruins também, até a doença”, refletiu.
Ola, Nicolas, o Brasil sera vendido ao Norte hemisferio As Is.
Escuto queixas da BR FEDERAL 319 ha mais de 18 anos. Tornou- SE noticia cronica de flagelo e isso ja e um mal que a feta a sauce mental de todos. A BR faz parte da Defesa Economics e da Defesa Social de 40 mil amazonenses.
Deveria ter sido construida rapido eficiente por Uma Engenharia Militar.
Demorou?
Entao tem todos esses problemas. O Brasil segue a contra- regra da INEFICIENCIA onde Muito fazem o control de Poder.
Qual e a Etica dos Rico’s em relacao aos pobres no Brasil?
A Mercantilizacao e evidente. Os ventos do Sul sopram contra os pobres.