Em 2023, 69% do desmatamento ao redor da rodovia ocorreu em florestas públicas não destinadas, áreas do poder público sem um uso oficialmente determinado pelo Estado e, por isso, vulneráveis à grilagem.
A maioria das emissões brasileiras de gases do efeito estufa, que levam ao aquecimento global, é consequência do desmatamento na Amazônia. Especificamente ao redor da BR-319, rodovia que conecta Manaus (AM) a Porto Velho (RO), não é diferente. Em uma faixa de 50 km no entorno da via, 24,8 mil hectares foram desmatados em 2023, levando à liberação de 8,7 milhões de toneladas de CO2, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam). Esse desmatamento no entorno da estrada representa 25% do total de Rondônia e 14% do Amazonas, estados pelos quais a BR-319 atravessa.
A InfoAmazonia analisou os dados de desmatamento de diferentes categorias fundiárias — terras indígenas, unidades de conservação, assentamentos, terras de uso militar e florestas públicas não destinadas —, com base no Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), neste limite de 50 km ao redor da rodovia, para entender quais delas estão mais conectadas à devastação da vegetação e, consequentemente, às emissões que levam à mudança climática.
A resposta: florestas públicas não destinadas respondem por 69% do desmatamento, com uma área de 18,3 mil hectares desflorestada em 2023, no entorno da BR-319. Elas recebem esse nome justamente por não terem uma destinação oficial definida pelo Estado. Ainda não foram transformadas em unidades de conservação, destinadas para reforma agrária ou demarcadas como terras indígenas ou quilombolas, nem foram transferidas para proprietários privados, apesar de estarem sob a responsabilidade e posse do poder público. O Ipam estima que existam 49,9 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas em toda a Amazônia, sendo que a maior parte, 28,6 milhões de hectares, é de responsabilidade estadual.
Já as outras categorias fundiárias representam uma parcela bem menor do desmatamento — e das emissões, portanto — ao redor da rodovia: 20% em assentamentos (5.294 mil hectares); 2,06% em Unidades de Conservação (542 ha); 0,49% em Terras Indígenas (128 ha); 0.05% nas terras de uso militar (13 ha). Ainda existem outros desmatamentos registrados ao redor da rodovia, fora das áreas de florestas públicas. As propriedades declaradas como privadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), por exemplo, registram 7,6% do desmate (1.993 mil ha).
As emissões na BR-319
As mudanças no uso da terra: O setor de mudanças do uso da terra e florestas reporta as emissões brutas e líquidas majoritariamente relacionadas ao desmatamento no Brasil. Elas estão relacionadas aos processos de alteração dos estoques de biomassa e matéria orgânica, tanto acima quanto abaixo do solo, além das emissões provenientes da queima de resíduos florestais., que contabilizam principalmente as emissões por desmatamento, são a maior fonte de gases do efeito estufa na Amazônia e no Brasil. Elas respondem por 48% (1,12 bilhão de toneladas de CO2e) das emissões, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
“A Amazônia guarda anos e anos de emissões globais de carbono nas suas árvores, nas suas raízes, principalmente na vegetação. Esse estoque, se fosse colocado na atmosfera, claro que isso não vai acontecer, mas se fosse jogado na atmosfera de uma vez, o que teríamos seria o caos climático no planeta Terra. Isso dá um pouco a dimensão da importância da Amazônia em termos de carbono”, diz André Guimarães, diretor do Ipam.
A Amazônia guarda anos e anos de emissões globais de carbono nas suas árvores, nas suas raízes, principalmente na vegetação. Esse estoque, se fosse colocado na atmosfera, claro que isso não vai acontecer, mas se fosse jogado na atmosfera de uma vez, o que teríamos seria o caos climático no planeta Terra. Isso dá um pouco a dimensão da importância da Amazônia em termos de carbono.
André Guimarães, diretor do Ipam
Para considerar o impacto da BR-319 para o estoque de carbono, Guimarães cita as experiências com a Rodovia Transamazônica, cuja extensão percorre os estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí e Paraíba, e a BR-163, que liga a cidade de Santarém, no Pará, a Tenente Portela, no Rio Grande do Sul: “Elas [as estradas] acabaram promovendo a entrada descontrolada de pessoas e consequentemente o desmatamento descontrolado. Então, o histórico que nós temos é o aumento das mazelas sociais e conflitos e, por conseguinte, você tem um prejuízo para a capacidade da floresta de reter e absorver carbono”.
Esta reportagem foi modificada. Ao contrário do que foi publicado inicialmente, não foram emitidas 8,7 mil toneladas de CO2 em 2023, em uma faixa de 50 km ao redor da BR-319. Na verdade, foram 8,7 milhões de toneladas.