Cobre, lítio e níquel, entre outros, são matéria-prima para produção de veículos elétricos, baterias, turbinas eólicas e painéis solares. A Amazônia guarda uma parte desses minérios do planeta e, por isso, grandes empresas querem fazer a exploração. A maioria dos pedidos está no Pará, sendo que Terras Indígenas e Unidades de Conservação têm pedidos com impacto direto em suas áreas.

Os planos dos países ricos, principalmente China, Estados Unidos e União Europeia, para frear o aquecimento global, possuem algumas palavras-chave importantes. Uma delas é a “transição energética”, a troca de um modelo de energia que usa combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão, por outro com menos emissão de gases do efeito estufa. A produção de veículos elétricos, painéis solares, baterias e usinas eólicas, fundamentais para essa virada energética, aumentará em quatro vezes a demanda por minérios como cobre, lítio e níquel até 2040, em comparação com 2020, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA).

A Amazônia guarda parte desses diversos minérios do planeta e é um dos lugares onde grandes mineradoras concentram esforços. Um levantamento exclusivo da InfoAmazonia, com base nos processos ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM) até 24 de maio de 2024, identificou 5.046 pedidos de mineração, solicitados por 807 empresas, para explorar minérios considerados essenciais para a transição energética na Amazônia brasileira. Os requerimentos para explorar cobre, alumínio, manganês, nióbio, prata, níquel, cobalto, terras raras: São denominadas Terras Raras o conjunto de 15 elementos químicos constituídos pela família dos lantanídeos mais o ítrio. Os elementos são os seguintes: Leves: lantânio, cério, praseodímio e neodímio; Médios: samário, európio e gadolínio; Pesados: térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio, lutécio e ítrio. São usados em ímãs de neodímio na indústria dos veículos elétricos e na construção de turbinas eólicas e automação industrial. e lítio somam 26 milhões de hectares dentro dos limites do bioma.

Esta corrida por matéria-prima mineral transparece uma contradição no projeto internacional por energia “limpa”: enquanto países como China e Estados Unidos alavancam suas produções de veículos elétricos e de baterias, a eletricidade mal chega a algumas partes da Amazônia. Além disso, há uma preocupação dos especialistas ouvidos pela InfoAmazonia sobre como essa exploração será realizada sem pressionar populações tradicionais e impactar o ecossistema do bioma. 

“Se fala muito em como vamos nos dar bem nessa economia de baixo carbono, mas sem que haja uma política clara de como isso vai acontecer. Com que salvaguardas isso vai ocorrer? A principal preocupação tem que ser em como vamos explorar esses recursos”, afirma Marta Salmon, analista sênior do Instituto Talanoa, organização sem fins lucrativos dedicada à política climática.

Se fala muito em como vamos nos dar bem nessa economia de baixo carbono, mas sem que haja uma política clara de como isso vai acontecer. Com que salvaguardas isso vai ocorrer? A principal preocupação tem que ser em como vamos explorar esses recursos.

Marta Salmon, analista sênior do Instituto Talanoa

Pelo menos 1.205 dos projetos mapeados pela InfoAmazonia estão na área de impacto direto de 137 terras indígenas (TIs), localizados a até 10 quilômetros dos limites da demarcação. Em 390 casos, as áreas para mineração invadem esses territórios, o que é proibido pela Constituição. O levantamento também encontrou 1.207 requerimentos sobrepostos a 107 unidades de conservação (UCs) na Amazônia. 

AS LEIS DOS EMPREENDIMENTOS EM TERRAS INDÍGENAS

Conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT-169), que tem força de lei, comunidades tradicionais, incluindo povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, têm direito à consulta livre, prévia e informada sobre qualquer empreendimento ou ato istrativo que interfira na autonomia dos territórios, inclusive com poder de veto.

A Convenção não estabelece parâmetros específicos para definir o impacto sobre terras indígenas ou de uso tradicional. Esses impactos são medidos nos estudos para cada empreendimento.

Em 2015, a portaria interministerial 60/2015 estabeleceu um raio mínimo de 10 quilômetros no entorno de terras indígenas para determinar impactos sobre as comunidades e exigir licenciamento federal do empreendimento. Em todos esses casos, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e as comunidades devem ser consultadas previamente.

A mineração dentro de terras indígenas é proibida e só poderia ser autorizada com aprovação de uma emenda na Constituição pelo Congresso.

As áreas protegidas mais pressionadas estão no Pará. Entre as terras indígenas, estão: Xikrin do Cateté, do povo Xikrin Mebengôkre, com 93 requerimentos de mineração; Kayapó, com 85; e Sawré Muybu, do povo Munduruku, com 77. No caso das unidades de conservação, as Florestas Nacionais (Flona) do Jamanxim, com 132 processos, a de Carajás, com 85, e a de Itaituba II, com 81 são as mais requisitadas para explorar os minérios de transição energética. O estado concentra mais da metade de todos os processos da Amazônia para esses minérios, com 3.069 requerimentos registrados na ANM para explorar 14,6 milhões de hectares, uma área maior que todo o território da Inglaterra.

Desde o início do governo Lula, em 2023, a ANM tem feito revisões nos pedidos de mineração sobrepostos aos territórios. No ano ado, o órgão cancelou mais de 400 pedidos na TI Yanomami, mesmo assim, segundo dados da própria ANM, existem mais de 2 mil processos de mineração no país com sobreposições em terras indígenas. 

Aliado a isso, as pressões recentes sobre as grandes mineradoras a respeito da mineração em terras indígenas faz com que novos projetos na Amazônia sejam requeridos fora dos territórios, mas até o limite deles, o que, segundo especialistas, não elimina os impactos nessas áreas. 

É o que ocorre nas terras indígenas no sudeste do Pará, praticamente cercadas por pedidos de mineração para cobre e níquel, é o que ocorre também com os pedidos de mineração de nióbio no entorno da TI Yanomami, onde o Serviço Geológico do Brasil (SGB) indica a existência de depósitos perto do limite do território – áreas onde ocorre a concentração de minerais valiosos.

Floresta Nacional do Carajás, segunda unidade de conservação com o maior número de requerimentos para exploração para minérios essenciais para a transição energética. Foto: TV Brasil/Agência Brasil

As empresas interessadas na exploração

Vale, Anglo American, Nexa, Codelco e Bemisa estão entre as mais de 800 empresas que buscam minerais para transição energética na Amazônia, incluindo projetos com potencial impacto em terras indígenas e dentro de unidades de conservação. 

Os dados da ANM mostram que a mineradora Vale tem 295 requerimentos para minerar esses metais no bioma da Amazônia. Pelo menos 139 destes pedidos apresentam sobreposições com unidades de conservação e 65 estão em áreas com potencial impacto em terras indígenas. Pelo menos 45 requerimentos da mineradora e da sua subsidiária, a Vale Metais Básicos, estão no entorno da TI Xikrin do Cateté.  

Em marrom, requerimentos para exploração de minérios essenciais para a transição energética ao redor e dentro da TI Xikrin do Catete. Em vermelho, apenas os requerimentos da Vale.

Em abril deste ano, a mina Onça Puma, um dos principais empreendimentos da Vale para a produção de níquel, localizada no entorno do território Xikrin, teve sua Licença de Operação suspensa por descumprimento de condicionantes ambientais. Esta é a quarta paralisação desde 2011. A empresa recorreu ao STF e uma nova reunião de conciliação está marcada para 20 de junho deste ano. A mina, junto com aquisições no Canadá, consolidou a Vale como a maior produtora mundial de níquel, essencial para carros elétricos, baterias, usinas eólicas e produção de hidrogênio verde.

“Depois que começou a mineração, o rio ficou poluído e continua poluído”, disse o cacique Bep Kroroti Xicrin, da aldeia Djudjekô, que fica às margens do rio Cateté, na parte oeste da TI Xikrin do Catete, próximo à mina Onça Puma. O líder indígena afirma que a cultura das comunidades foi alterada, com diminuição dos peixes, afetando a alimentação e a saúde. “Nossa cultura não faz mais o timbó, não pescamos mais, evitamos o rio. A mineradora Vale não respeita os indígenas”, contou.

Depois que começou a mineração, o rio ficou poluído e continua poluído.

Cacique Bep Kroroti Xicrin, da aldeia Djudjekô

Questionada pela reportagem, a Vale afirmou, em nota, que “cumpre as condicionantes e os controles socioambientais das suas atividades no Pará conforme determina a legislação e em respeito às comunidades vizinhas”. A mineradora diz que continua adotando as medidas cabíveis para buscar reverter as decisões.

Mina Onça Puma, um dos principais empreendimentos da Vale para a produção de níquel, localizada no entorno do território Xikrin. Foto: Djair Soares/Wikimedia Commons

Já no caso da Anglo American, dos 737 processos de mineração em busca de cobre e níquel na Amazônia, 353 têm sobreposições a UCs e 178 estão em áreas com impacto em TIs. A empresa, junto à Nexa Recursos Minerais e à Bemisa, solicitou 829 mil hectares para explorar cobre na Flona do Jamanxim, área que equivale a 63,7% do território total da área protegida, que é de 1,3 milhões de hectares. Os pedidos foram registrados a partir de 2017, quando a busca destes minérios explodiu na Amazônia. 

Em 2020, após obter autorizações de pesquisa na Terra Indígena (TI) Sawré Muybu para exploração de cobre, a Anglo American enfrentou protestos indígenas que a forçaram a recuar. No mesmo ano, a Justiça Federal do Pará suspendeu todos os processos na Flona Itaituba II, incluindo os da Anglo. Em 2021, a empresa formalmente pediu à ANM a desistência de processos nas Flonas de Itaituba, no Jamanxim e na TI Sawré Muybu, mas alguns desses pedidos ainda estão ativos, inclusive com autorização para pesquisa na Flona do Jamanxim

Em alguns despachos da ANM para os pedidos de desistência da Anglo, constam que os processos serão arquivados e colocados em disponibilidade, podendo ser requeridos por outras mineradoras no futuro.

À reportagem, a Anglo disse que os dados da ANM “não refletem a situação atual” e que trabalha continuamente junto à agência para que o banco de dados seja atualizado. A mineradora afirma que “não possui nenhuma licença de exploração em terras indígenas ou em florestas primárias no Brasil e que também não há requerimentos para níquel e cobre no limite do bioma amazônico”.   

Em 2023, a Anglo transferiu direitos minerários com autorização de pesquisa na Flona do Jamanxim e no entorno da TI Apiaká do Pontal e Isolados para a Bemisa Holding, controlada pelo banqueiro Daniel Dantas. A Bemisa possui 90 projetos de mineração na Amazônia para cobre e níquel, com pelo menos 10 processos sobrepostos na Flona do Jamanxim e cinco até 10 km do território onde há registro de povos isolados.

Apesar disso, a Bemisa disse à reportagem, por nota, que “não há hoje qualquer perspectiva de eventual operação de bem mineral na Flona do Jamanxim ou no entorno da TI do Apiaká do Pontal e Isolados”. A empresa diz que adota “controles de impactos ambientais e sociais, com reconhecida excelência de operação em todo o Brasil”. No entanto, em fevereiro deste ano, a mineradora comunicou a retomada das pesquisas em uma das áreas que foi transferida pela Anglo e que está totalmente dentro da Flona do Jamanxim.

Já em 2017 e 2018, a Nexa Resources fez 28 pedidos de mineração para explorar cobre em unidades de conservação na Amazônia. Atualmente, a mineradora tem 33 processos ativos com sobreposições em áreas protegidas. Alguns deles com pedidos de desistência. A Codelco do Brasil, filial da chilena Codelco, maior produtora de cobre do mundo, tem 135 requerimentos para explorar a substância na Amazônia. Pelo menos 22 pedidos estão em áreas com impactos em terras indígenas, alguns deles com pedidos de desistência por parte da mineradora.

À InfoAmazonia, a ANM informou que realiza verificações para identificar se as áreas requisitadas para mineração interferem com terras indígenas. “Se a área de mineração sobrepõe completamente uma terra indígena, o pedido é negado”, informou o órgão. Já no caso de sobreposição parcial, “a parte que interfere é removida, e o minerador pode escolher continuar com o restante da área que não interfere”.

Sobre a demora para análise de pedidos de desistência alegado pelas mineradoras, a ANM afirmou que “por vezes, se deve ao fato da efetiva e necessária verificação pela ANM da legitimidade da parte requerente em solicitar a desistência do requerimento”. O órgão informou que busca meios para que esta análise seja mais célere.

Potencial mineral está em áreas protegidas da floresta

O SGB aponta a existência de grandes depósitos de cobre, alumínio, níquel e terras raras na Amazônia. Também foram registradas ocorrências de lítio e grafite no bioma. Além disso, em 2023, a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês) apontou o Brasil com potencial na mineração de lítio, níquel, manganês, neodímio e grafite como oferta de minérios essenciais para a transição.

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Fábio Bispo

Repórter investigativo da InfoAmazonia, em parceria com a Report for the World, que combina redações locais com jornalistas emergentes para reportar sobre questões pouco cobertas em todo o mundo. Ele...

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